segunda-feira, 4 de novembro de 2013

só dá Argento (3 de não sei quantos)


1980, ano de todos os perigos para os estúdios e para os "enfants-terribles": Cimino- ainda com calças- a repetir duzentos takes de um plano em Heaven's Gate, queimando notas de dólar como se fossem bilhetes de cinema; Argento, liberdade total e orçamento bem papudo, consideravelmente recheado de dólares da 20th Century Fox, após o êxito de Suspiria. Triste sina: Cimino foi varrido do mapa, e hoje só dirige a palavra a alguém se lhe chamarem de "Rute"; Argento viu o sucesso da anterior obra dar lugar à "calamidade" crítica e de bilheteira de Inferno, certamente influenciada por um filme que não segue os caminhos óbvios da repetição e que baralha a identificação do espectador até ao limite. A "estória" é apenas entendível para qualquer residente no breu das florestas de Sintra, e mesmo assim duvidamos de tal êxito. Derivado disto, Inferno é um filme que durante mais de dois terços navega por águas de pura mise-en-scène, o que nas sábias palavras de George Costanza significa "a film abouth nothing". Águas então: que prodígio de sequência subaquática (alegadamente dirigida por Mario Bava), com Dario a estender o tempo para além do convencional, ficando nós, pobres desgraçados, apenas imersos no silêncio e nos mamilos da Irene Miracle. Mas mais com Dr. Martin Rocky Jr, autor do aclamado livro Argento: the man who gaves us a hot daughter, e que em 1981, um ano após a estreia de Inferno, já defendia apaixonadamente esta obra maldita de Dario. Aqui está, num pequeníssimo excerto de uma entrevista ao El País, em Agosto de 1981:

Jornalista espanhol de bigode acabado de sair da movida madrilena: Coño, que mierda. Bom, señor Martin, ninguém defende Inferno sem ser você. Como explica isso?

- É sinal que sou muito inteligente e o resto das pessoas é uma manada de atrasados mentais. Incluindo o próprio Argento, que por sinal também está desgostoso com o resultado final.

- O senhor escreveu algures que neste filme Dario desafiava as convenções e os costumes narrativos, ao eliminar duas personagens que o espectador já poderia considerar como "heroínas". 

- Evidente. Penso que ainda vai mais longe do que o Alfred, no Psycho. Ele aí eliminou uma, e aqui faz com duas. Nós já acostumados a tais personagens e ele, com requintes de sádico, a deitar-nos o tapete para baixo e a brindar-nos apenas com um homem de bigode. Sem ofensa...

- No problemo, señor. Neste Inferno temos uma sequência de paciência nos limites do exaspero, e que envolve um idoso de muletas, um saco de gatos e um exército de ratazanas. Acha Argento, tal como referiu anteriormente, um sádico?

-Sádico e de primeira apanha. Essa sequência é brilhante, pois o tempo que se perde aí é o tempo determinado pela lentidão da personagem, o que é deveras e saborosamente irritante. Como qualquer demente, Dario sabe bem por onde nos chatear. Olhe o nariz...

-Ah? Ah, gracias.