terça-feira, 2 de julho de 2024

Euro 2024 (Oitavos-de-Final. Jogos 5 & 6).

Há algo, neste mundo, que nos parece não estar muito certo, e não nos estamos a referir a termos gostado de uma entrevista do Putin ao Tucker Carlson ou à perda dos territórios cruzados no Médio Oriente com a queda de Acre em 1291. Estamos, concretamente, a pensar nas vistas trocadas entre cinema e futebol no ano de graça de 2024. Assim, de um lado, temos um cinema festivaleiro e aplaudido que faz da indiferença conceptual, do mais arreigado anti-formalismo, da mais forçadíssima empatia, da propagação dos "valores certos", do vale tudo técnico e da "improvisação"  (leia-se: "não fazemos ideia do que estamos a fazer") uma série de motivos para a sua existência. Por outro lado, uma das melhores seleções mundiais de futebol da atualidade, a França, é uma equipa cujo jogo da bola faz de um filme do Straub um objeto muito próximo do free cinema britânico dos anos 50. Maquinal, jogado a regra e esquadro, ausente de qualquer rasgo de improvisação- mesmo dos seus melhores "artistas"-, perpetrado por jogadores que parecem ter saído da fábrica de montagem da Skynet. Aliás, segundo nos disse um passarinho do mundo futeboleiro, o Griezmann joga com um protótipo de chip futurista alojado na omoplata esquerda; uma cousa destas só pode ser verdade. Por conseguinte, esperamos que haja uma troca comercial e estética na ordem dos 50% para cada lado entre este cinema desregulado e naturalista e este futebol francês robótico. Só assim estaremos mais perto de uma arte cinematográfica mais próxima dos seus harmoniosos propósitos e de uma seleção francesa que se consiga aproximar um pouco mais das suas grandes e fantasiosas equipas da história (1982, 1984, 1986, 1998, 2000).


Recuemos ao dia 4 de Fevereiro de 1996, ao dia em que se disputou um FC Porto-Leça no Estádio das Antas, para a jornada 21 do Campeonato Nacional da I Divisão 1995/96. O jogo não era muito importante para o FCP, já que o seu primeiro lugar estava muito bem protegido por uma diferença de quarenta e cinco pontos para o segundo classificado, mas para o Leça deveria ser muito fundamental para a luta da manutenção. O jogo foi um pouco sensaborão, com uma equipa portista desligada, lenta, com muita dificuldade em ultrapassar a defesa leçeira, que jogava tão recuada que alguns dos seus defesas centrais estavam constantemente a roçar no seu guardião (o mítico sérvio Vladan). E quando a ultrapassavam, falhavam golos de forma infantil. O Leça até ficou reduzido a dez a partir dos trinta e cinco minutos, mas isso teve como consequência não só um ainda maior desleixo dos jogadores azuis como a equipa de verde recou ainda mais ao ponto do Vladan estar a jogar avançado em relação aos seus próprios defesas. Vitor Baía, na baliza portista, fechava os olhos, imaginando quando estrearia o Heat em Portugal (seria muito em breve, a 23 desse mesmo mês). E eis que, subitamente...o Leça, aos oitenta minutos, ultrapassa o meio-campo portista. Não só ultrapassa, mas o Constantino está isolado em frente ao Baía, que acorda com o furor das bancadas. Seskotino percorre uns 10 metros só com Vitor Costa pela frente, é um duelo de vontades e artes entre dois homens. Diogo Baía passou um jogo inteiro a dormitar, e, a frio, tem de se opor decisivamente; Constantseko passou um jogo inteiro a receber bolas de costas e a auxiliar defensivamente a sua equipa, e, a frio, tem de desfeitear com magia o seu oponente. Sesko chuta, Diogo Costa defende, e o FC Portugal ainda foi a tempo de vencer por 2-0. 

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