segunda-feira, 26 de outubro de 2015

"merda enquanto arte"


Hard to be a God, de Aleksey German

Num sketch dos Gato Fedorento (período pré-palhaços do regime), o Ricardo Araújo Pereira é um Primeiro-Ministro profundamente abalado com os "acontecimentos da semana passada", tão abalado que nem encontra vocabulário para descrever os seus sentimentos de aflição. Vai daí, e para se exprimir, inicia uma dança tradicional do Zaire ou da Zâmbia. A mesma problemática poder-se-ia aplicar à minha situação perante os primeiros vinte e dois minutos de Hard to be a God, os únicos que vi de um filme que dura três horas (factuais, a nível mental durará umas quinze). Assim, não consigo identificar as palavras mais certas para descrever o "íntimo do meu ser" em relação a essa vintena de minutos, sendo que até ponderei a hipótese de filmar-me a cagar e colocar aqui o vídeo, uma das boas respostas possíveis perante o esterco (literal) sonoro e visual do filme do Aleksey. Mas isso seria parvo, por isso aqui vão umas atoardas avulsas:

- os dois mais miseráveis filmes estreados este ano (Mekong Hotel e o San Andreas) estão a anos luz da insuportabilidade física de Hard to be a God. E lembro: só foram vistos vinte e dois minutos.Isto em Guantánamo seria sucesso garantido.

- ainda bem que os EUA afirmaram-se a partir do Século XX (e ainda mais a seguir à WW2) como a maior potência cultural do planeta. Imaginamos os soviéticos como vencedores dessa contenda e temos tremores pelo corpo todo: Tarkovskys e sucedâneos enlatados de "cinema enquanto arte" (como este German, como aquele Loznitsa) como âncora de referência do cinema mundial.

- três dos mais luxuosos pedaços de imundície do cinema recente (o Faust do Sukorov, o filme do Serra e este Hard...) são um caso de relação feliz entre conteúdo e forma, pois ambas navegam nas mesmas águas inundadas de merda, sujidade, cagalhões em penicos, cagalhões na boca, lama, sujidade, porcaria, merda ao jantar, etc. O filme do Serra, só para se ter uma ideia do chavascal que por aqui vai, é o mais sóbrio dos três.

- estes vinte e dois minutos do Hard to be a God demonstram o que o velho e malvado Duchamp já andava para aí a dizer sobre a arte, ou seja: não existe. Daí que estas cagalhoadas sejam elevadas a estatuto "artístico", e um filme de uma adolescente japonesa a comer cagalhões saídos directamente do cu de um boi sejam apenas "lixo para mentes perversas".

- voz off arrastada, vozes adormecidas, câmara a agredir o espaço, merda no enquadramento, merda na câmara, merda por todo o lado: Hard to be a God em todo o seu esplendor rectal.

- tal como o Kurt Russel, no Death Proof,  tem o seu "black book", eu tenho o meu "white book", onde assinalo "cineastas perigosos para a humanidade", trabalho que entregarei, antes de morrer, para a sociedade. Este German já lá está, juntando-se a ilustres como Serra, Winding Refn, Von Trier e o Sokurov do Faust.