Se este Euro de futebol 2020 fosse um
filme de Hollywood na nobre tradição do underdog que vence contra
todas as probabilidades, a Dinamrca seria a campeã. Depois de perder
o seu melhor jogador da forma que se sabe, depois de perder os dois
primeiros jogos da fase de grupos, depois de um Napalm da vida ter
escrito que “1992 não se repetirá”, a Dinamarca, depois de tanta
porrada, está nos quartos-de-final, após cilindrar ovelhas galesas
sem agilidade e força para fugir dos dentes famintos dos nórdicos.
Segue-se a República Checa, um adversário esteticamente belo como os arabescos sonoros de uma betoneira, mas tão poderoso que conseguiu reduzir a
tamanho minúsculo os jogadores da seleção pertencente ao país com
a maior média de altura do mundi. Promete.
O Itália-Austria pôs fim a duas das
mais interessantes narrativas deste campeonato, a saber: 1) o
Sabitzer irá acertar uma única vez na baliza? 2) o Schlager
conseguirá não incomodar um adversário como se este, além de lhe
dever dinheito, também tivesse proporcionado prazer sexual à sua
esposa? Também um jogo que deve ter permtido o esfregar de mãos dos
“Ribeiros Cristovãos” e “António Fidalgos” e demais múmias.
Já os imaginamos, murmurando: “Estão a ver? Cínica, cínica
Itália! Quando menos se esperava, marcam e acabam com o jogo! Com os
italianos não se brinca! Com um treinador como o Arrigo Sacchi, um
defesa como o Trapattoni e um avançado como o Altobelli, fica tudo
mais fácil! A que horas estreia o novo do De Sica?”. Vendo estes
jogos da Itália, questionamos como irá o Mourinho transformar o
Spinazzola num lateral cobardolas e como é que o Belotti tem um rating
de 91 (de 0 a 100) no Soccer Manager. É um jogador ligeiramente
superior ao Andy Carrol.
Uma das consequências negativas da
queda do comunismo no leste europeu: o fim dos misticismos e assombramentos das visitas aos clubes e
selecções que habitavam para lá da “cortina de ferro”. Os
jogadores dos clubes e selecções ocidentais iam lá jogar com a
mesma confiança possuída pelo Jonathan Harker enquanto viajava para
conhecer o drácula; nada sabiam o que os esperava, alguns até se
aproveitando para se despedir das famílias, deixando testamentos
avultados para as suas esposas que rezavam munto para que eles
voltassem...hum...são e salvos. Do lado de “lá”, os jogadores
rebubilavam de alegria, vendo nesses encontros de bola uma
oportunidade para saberem que filmes tinham estreados no seu próprio
país, que livros de escritores da sua nacionalidade tinham sido
publicados em terras capitalistas, e se os Beatles tinham acabado
(isto em 1986). Agora, tristemente, está aí tudo à mão de semear,
tudo visivel, sem mistério e espanto algum, para grande
desgraça nossa, do Botelho e da Rita Rato, cujo singelo desejo é
que regressem os comités sub-regionais para decidir como é que uma
pessoa deve dirigir a sua vida. Holanda-0 Republica Checa-2.
“A sorte não quis nada connosco”.
“Ás vezes a bola bate no poste e entra, noutras não”. “O
futebol pode ser muito injusto, mas o que conta é o resultado
final”. “A Bélgica só marcou na única vez que fez um remate à
baliza”. “Há que continuar a trabalhar”. “Temos de levantar
a cabeça”. “Encostámos a Bélgica ás cordas na segunda-parte”.
“Não tivemos a sorte que tivemos há cinco anos”. “Saímos
deste Euro de cabeça erguida”. “Controlámos o jogo todo”.
“Depois do Mundial de 2018 ganhámos a Liga das Nações, porque é
que agora também não podemos ambicionar vencer o Mundial de 2022?”.
“Obrigámos os belgas a simularem faltas e a perder tempo”. “A
bola só não entrou porque o Courtois é grande de mais”. “O
árbitro, também...”. “Pedimos desculpas a todas as mulheres
portuguesas, que vão voltar para os pratos e roupas depois de duas
semanas de férias”.
Barrar tulicreme na barriga da Amber
Heard enquanto se lambe, entre os seios da Diane Lane, um belo pedaço
de leite creme queimado; ver de seguida o The Searchers e o Pyscho;
sair para a noite com o Dr. Álvaro Cunhal e o Dr. Mário Soares;
bacalhau à lagareiro seguido de um pudin flan (que mais tarde será
utilizado para servir de ornamento nas nádegas da Joana Duarte):
acreditamos que estas quatro actividades diferentes consigam superar,
em termos de puro prazer, o que aconteceu, no mundo do futebol
europeu, a 28 de Junho de 2021. No Espanha-Croácia, a história
começa com os espanhóis a sodomizarem os croatas com sucessivas
cavalgadas de troca de bola num espaço de 30 metros, até que
aconteceu algo tão cómico como descuidado. Pedri, fruto da sua
distraída idade, decidiu atrasar a bola , desde o meio-campo, para
o seu keeper Unai Simon. Ora, Unai Simon, que tem passado este Euro a
ler Positifs dos anos cinquenta em pleno relvado, quando viu aquele
objeto redondo a vir na sua direcção, entrou em apuros
psicológicos, decidindo, cheio de dúvidas, a melhor forma de aparar
aquele ovni. O ouriço sem espinhos passou por cima do seu pé e foi
golo. Tudo a rir. Os croatas, banhados em lágrimas de riso e
motivadíssimos, aproveitaram o desnorte espanhol para ameaçar o 2-0,
mas o 1-1 antes do intervalo seria o prelúdio da lógica supremacia
da real armada, afincada nos 3-1 a dez minutos do fim. 3-2. E depois
os croatas, como que levando pazadas de espinafres ao estômago,
empataram 3-3. Prolongamento. Unai Simon, ao calhas, evita por
milagre divino o 3-4, mas os milagres não ficariam por aqui: o
Morata marcou um golo, sendo certo que falhou mais uma meia dúzia de
baliza quase aberta. Acabámos o jogo a suar, como se tivéssemos
passado uma hora e meia a retirar migalhas de bolo-mármore do corpo da
Alicia Silverstone.
Mal refeitos do repasto da tarde, somos
chicoteados com a diversão nocturna do França-Suiça. Um jogo que,
durante noventa minutos, foi praticamente a cópia do jogo anterior.
Nos trinta minutos de prolongamento, nada a registar, até que é
altura de penaltys. O realizador do evento decide filmar cada penalty
num plongée que transforma a baliza num ponto quase totalmente
ocupado pelo guarda-redes. No deciivo penalty, Mbapée falha,
coroando, de maneira bastante coerente, um Euro pessoal patético.
Estenuados, depois de horas de intensa actividade psicológica,
fomos pasmar, vendo um filme português “sobre violência
doméstica” na RTP Play.
A primeira parte do Inglaterra-Alemanha
foi de pouco interesse, levando-nos antes para divagações do
seguinte tipo: quantos bisavós dos jogadores ingleses levaram com
bombas em cima ordenadas por um regime que alguns dos bisavós dos
actuais jogadores alemães apoiavam? E com isto chegou o intervalo.
Mas as divagações por tragédias hipotéticas dariam lugar a
horrores actuais, quando o Jack Grealish marcou um golo com um passe
para o Sterling. A Inglaterra a vencer a Alemanha. Numa competição
oficial. Alguém que nos ajude. O inútil Muller (ele e o Hummels são
o Paolo Rink e o Jens Nowotny de 2021), esse miserável, nem um
remate sabe fazer, filho da puta. Pouco depois, o Grealish voltaria a
marcar, desta vez com um passe para o Kane. Desde a final roubada do
Mundial de 1966 que os ingleses não festejavam tanto na cara dos
alemães (e já foram a Munique ganhar 1-5, em 2001). Alguém que
nos ajude.
Sensivelmente a partir dos 75 minutos,
o Suécia-Ucrânia assemelhou-se a uma daquelas provas de marcha, em
que alguns corredores, a uns dez quilometros da meta, já andam todos
tortos, curvados, a indiciar queda iminente. O cansaço dos amarelos
e azuis sentia-se no sofá, enquanto bebiamos uma nojenta tequilla.
Nos 74 minutos precedentes, aconteceu um festival Forsberg,
certamente muito mais interessante que qualquer festival temático de
cinema que há por esse mundo fora. Depois chegou o tal minuto 75, as
baterias começaram a diminuir, chegou o prolongamento, um sueco ia
partindo a perna a um ucraniano, a Ucrânia sem arte para ultrapasar
a muralha escandinava, até que golo dos celeiros. Ânîmos
exaltaram-se, o Schevchenko ameaçou o Janne Andersson com um derrame
de radiação na sua casa, acabou o jogo, e nós começámos
imediatamente a marcar missas em honra de São Dovzhenko, padroeiro do
trigo e do milho. Ucrânia, esqueçam por momentos disputas
sentimentais/políticas com a Rússia; por agora, em nome da
Humanidade e do Futebol, terão de impedir que uma desgraça aconteça
no próximo Sábado. Se esse jogo fosse um filme-catástrofe do Emmerich ou do Bay, existiram aquelas planos de multidões a rezar em volta da
Torre Eifel, do Taj Mahal ou das muralhas da China.