Cinéfilo 1(C1): Revi ontem o Tabu, do Gomes. É cada vez mais insondável o significado semiótico daquele crocodilo. Que malandro!
Cinéfilo 2(C2): Se tu o dizes...
C1: Digo e volto a dizê-lo: aquele lagarto gigante está para além de uma mera representação dos valores coloniais, para além das esferas ultramarinas, e para além da sofisticação cinéfila do Gomes.
C2: Ó chefe, há tabaco?
C1: Estou mesmo em crer que o Eduardo Lourenço se inspirou neste crocodilo para o seu Labirinto da Saudade
C2: Isso é impossível.
C1: Impossível não será ver no jacaré os resquícios dos escritos do Professor José Gil!
C2: Nem isqueiro tenho...
C1: Nunca me disseste o que significa aquele crocodilo...
C2: Nem digo.
C1: Porquê?!?!
C2: Tenho medo. É demasiado chocante.
C1: Medo?? Não há medo entre cinéfilos apaixonados, filhos de cinematecas e culturgestes, navegantes do saber fílmico, leitores de Robin Wood. Não tenhas medo e diz.
C2: Não digo, não digo e não digo!
C1: DIZ! EXIJO! Preciso de levar um banho da tua espuma epistemológica. Além do mais, faço colecções de cromos de "noções do crocodilo do Tabu". Tenho uns vinte Peransons para troca, mas faltam-me uns três Delormes e uma raríssima noção de um crítico nativo das Seychelles, que viu no bicho uma clara manifestação da sorte que se aproximava em questões de pesca. E falta a tua, claro!
C2: Pronto, eu digo. Mas primeiro afasta-te. Mais...mais...isso aí...não, mais!
C1: (a gritar) Porque é que me estás a mandar para tão longe?
C2: (a gritar) É para eu ter alguma vantagem quando começar a fugir!
C1: (a rir e a falar de si para si) ai que maluca! (a gritar) Vá, diz! Nada do que me poderás dizer me colocará em trabalhos! Como diria o meu avozinho, o saber não ocupa lugar!!
C2: (a gritar) Pronto, 'tá bem! Aqui vai...depois diz que eu não te avisei! (ajeitando a gravata...inspirando...expirando...) O crocodilo no Tabu ...é....é...
C1: (a gritar, com uma mão no ouvido) Sim??!?
C2: O crocodilo no Tabu é...é...é...UM CROCODILO!
C1: (a começar a correr): FILHO DA PUTA!!!! Tu não me escapas! Não haverá misericórdia!! Estais fodido!! Não percas tempo a correr, salafrário!!
C2: (a fugir) Não, não! O crocodilo no Tabu é a representação do selvagem lucro do capitalismo! É a ida do Jesus pó Sporting! É uma referência trágica à bulímía! É o cu do António Guerreiro! É um pastel de nata!
C1: Filho da puta!!! Tarde demais! Já te revelaste! Os teus dias estão no fim...
C2:... Um símbolo da alheira de Mirandela, um sinal da falência moral nas tribos amazónicas...!