"Ó Orlando, tu foste um grande combatente anti-fascista...e isso é ponto assente, mas foste também um bocado fascista...ou não?". "Tu és um homem de esquerda...és um homem de esquerda, e há que dizer isto com frontalidade, apesar de seres também fascista, estavas ligado á direita, veneravas Salazar, e eras o que a gente chamava na altura um pulha-pidescos, não é?". Serve isto para introduzir os curiosos casos de Bryan Cristante, Stephan El Shaarawy e Gianluca Scamacca, que são jogadores profissionais de futebol e, simultaneamente, não são jogadores profissionais de futebol. Mas não coloquemos nestes indefinidos casos de ocupação profissional as traves mestras do insucesso retumbante da campeã da europa neste Euro 2024. As razões prendem-se com fatores muito mais abrangentes, mormente e nomeada, os de caráter de rasganço no tecido espácio-temporal que fez os jogadores e responsáveis técnicos italianos acordarem não a 29 de Junho de 2024, mas sim a 29 de Junho de 1978. E ao acordarem nesse dia, e ao saberem que tinham um jogo nesse dia de 1978, comportaram-se como uma seleção italiana de 1978 se portaria: com um catenaccio rigoroso, de muito boa ocupação de espaços defensivos, de ferrolho tático intransponível, e de ocasionais mas certeiras saídas em transição ofensiva ("contra-ataque", em 1978). Estaria tudo muito bem, se o seu adversário, a Suiça, não tivesse permanecido, injustamente, a 29 de Junho de 2024. Se nos parece que a Itália de 2024 já teria dificuldades em jogar contra esta muito interessante Suiça de 2024, imagine-se as dificuldades que uma seleção terá de lutar contra outra que está, literalmente, quarenta e seis anos temporalmente á sua frente, com todas as mordomias e avanços táticos, tecnológicos e mesmo mentais daí aderentes. Apesar de tudo isto, se em vez do Cristante, do El Shaarawy e do Scamacca lá estivessem o Roberto Bettega, o Marco Tardelli e o Paolo Rossi, um milagre poderia ter acontecido, e estaríamos agora, possivelmente, a glorificar uma espantosa passagem da Itália-78 aos quartos-de-final do Euro-2024.
domingo, 30 de junho de 2024
Euro 2024 (Oitavos-de-Final. Jogos 1 & 2).
quinta-feira, 27 de junho de 2024
Euro 2024 (Dia 13).
Data: 30 de Novembro de 1872. Localização: West of Scotland Cricket Ground, Glasgow, Escócia. Assistência: 3000 espetadores. Árbitro: Willy Keay, da Escócia. O quê: Escócia-Inglaterra, primeiro jogo entre seleções nacionais na história do futebol. Resultado: 0-0. Data: 26 de Junho de 2024. Localização: Mercedes-Benz Arena, Estugarda, Alemanha. Assistência: 55 mil espetadores. Árbitro: Anthony Taylor, da Inglaterra. O quê: Ucrânia-Bélgica, jogo da 3º jornada do Grupo E do Campeonato Europeu de Futebol 2024. Resultado: 0-0. Seria fastidioso e inútil, neste exato momento, alavancar todos- ou mesmo só 3%- os progressos que a Humanidade conseguiu, nas mais diversificadas áreas, entre esse 30 de Novembro de 1872 e o dia 26 de Junho do ano corrente. Diremos que apesar das revoluções proletárias, do Baumbach e do peixe cozido sem sal, estamos hoje munto melhor do que há cento e cinquenta e dois anos (pelo menos eu e Portugal estamos.). Mas apesar de todas estas conquistas a pulso, de toda a distribuição massiva da eletricidade e da água canalizada, do congelamento das carnes e dos Lumière, da expansão dos pioneiros amaricanos para oeste e dos decotes que a Scarlett Johansson (💓) e a Thora Birch (💓) usaram na premiere do Ghost World, apesar de tudo isso e munto mais, ainda se mantem a escandalosa ineficiência de homens graúdos não conseguirem, durante mais de cem minutos, enfiarem uma bola dentro de uma baliza de 7,32 metros de largura e 2,44 metros de altura. Não admira que os norte-americanos gozem com o soccer e com os empates- ainda mais a zero- que este providencia. Conselho: cada jogo deve começar 1-0 para a equipa com menor valor de mercado segundo o Transfermarkt. Se a equipa mais forte empatar, fica reduzida a dez jogadores. Temos a certeza de que a ocorrência de empates será muito menor. E não esquecer o grandioso baile promovido pelo Nicolau II, antes da barbárie.
quarta-feira, 26 de junho de 2024
Euro 2024 (Dia 12).
Na nossa memória futebolística, a maior e duradoura impressão que a seleção austríaca de futebol nos tinha deixado até hoje prendia-se com...os cromos da caderneta do Itália-90. Sim, essa do avançado Toni Polster. Havia por lá um cromo de um jogador austríaco que era uma espécie de santo graal, uma miragem impossível de se materializar, um desejo ainda maior do que aquelas carteiras que traziam um prémio á escolha (um malote, um porta-chaves, e, claro, o maior deles todos, uma bola Mikasa). Eventualmente esse cromo calhou a alguém, que logo tratou de o esconder da cobiça das vistas e dedos alheios, encetando a partir daí possíveis e vantajosas trocas comerciais ("este cromo por essa Mikasa+mais as cuequinhas de seda da tua irmã"). Pois bem, essa simples memória de antanho é agora adjudicada a uma outra bem mais gloriosa, a do dia 25 de Junho de 2024, quando a Áustria, liderada por uma exibição assombrosa de Marcel Sabitzer- o seu golo é a prova da máxima do Albert Camus: futebol é inteligência em movimento-, venceu os Países Baixos, ex-Holanda, e alcançou não só a qualificação para os oitavos-de-final, como o fez em primeiro lugar do grupo, á frente do seu adversário de ontem bem como da entediante França. Por isso, cromo austríaco mirífico e sebastiânico do Itália-90: já não precisa de se sentir tão solitário no agreste alojamento da minha mente. Também me recordo do Itália-Áustria do mesmo mundial e do golo do Squillaci. E do golo do Paulinho Santos em Viena, em 1995. Afinal, meu querido cromo, você está bem mais acompanhado do que eu pensava.
terça-feira, 25 de junho de 2024
Euro 2024 (Dia 11).
segunda-feira, 24 de junho de 2024
Euro 2024 (Dia 10).
Arquiteto. Cineasta. Vidreiro. Soldador. Ator porno. Pescador. Rebocador. Pasteleiro. Cozinheiro. Apicultor. Crítico cinematográfico. Analista de dados de risco. Coveiro. Advogado criminal. Senhorio. Tenente-Coronel. Barbeiro. Maquilhador. Caixa no supermercado. Gerente de um stand de automóveis. Depilador. Modelo. Dentista. Cirurgião. Escritor. Controlador aéreo. Curador. Escultor. Professor primário. Caixeiro-Viajante. Proxeneta. Traficante de seres humanos. Político. Afinador de piano. Carpinteiro. Bagageiro. Joalheiro. Polidor de pedra. Geneticista. Fadista. Obstetra. Sapateiro. Porque é que o Kai Havertz teve de escolher ser jogador de futebol?
domingo, 23 de junho de 2024
Euro 2024 (Dia 9).
Geórgia vs Chéquia foi um jogo da 2ª jornada do Grupo F do Euro 2024. Disputou-se no Volksparkstadion, em Hamburgo. Georges Mikautadze, aos 45+4 minutos, de grande penalidade, adiantou no marcador os georgianos. Aos 59 minutos, Patrik Schick igualou para os chéquios/checos/o caralho que os foda. O resultado não sofreria alterações até ao final.
sábado, 22 de junho de 2024
Euro 2024 (Dia 8).
Enquanto os jogos entre as seleções de maior cotação têm sido excelentes chamadas para o reino de Hypnos, os encontros mais "piquenos" do Euro 2024, pelo contrário, têm providenciado diversão diurna bem superior, sobretudo aqueles que envolvem o mais leve traço de rivalidade regional. Um Eslováquia-Ucrânia, á primeira vista, não se encaixaria nesta questiúncula das pelejas entre vizinhos, mas desde que o russófilo...perdão, o pragmático Robert Fico ganhou as eleições legislativas eslovacas e prometeu acabar com toda a ajuda militar á Ucrânia (duas pistolas enferrujadas e um tanque sem lagartas), o ambiente entre as duas nações ficou mais crispado. Posto isto, o jogo foi civilizado e não houve os excessos medievais do anterior Eslovénia-Sérvia. Limitou-se a haver futebol de ataque, com o Trubin, nos primeiros dez minutos de jogo, a fazer mais defesas do que aquelas que o Lunin tinha feito nos noventa minutos do jogo contra a Roménia. A Eslováquia lá marcou, numa semi-frangalhada do guardião do (censurado). A partir daí, mesmo com o contínuo e prolongado exílio de Mudryk, a Ucrânia começou a lutar pela vida, imaginando já a desonra de totalizar zero pontos em duas jornadas; uma afronta ao país, ainda por cima numa altura destas. Empate e a dez minutos do fim, com um trabalho fulgurante de receção e finalização que felizmente não mostrou em Portugal, o Yaremchuk fez o 2-1 final, impedindo os traidores da NATO de amealharem já preciosos seis pontos. Na última jornada a Eslováquia joga contra a Roménia e a Ucrânia defronta a Bélgica.
sexta-feira, 21 de junho de 2024
Euro 2024 (Dia 7).
Uma das costumeiras perguntas do molhado adepto de futebol: e se as seleções da Croácia, da Sérvia, da Eslovénia e do Montenegro se juntassem e fizessem uma única equipa? Ai Jesus que ninguém a pararia. Num espaço de meia dúzia de anos venceriam quatro europeus, dois campeonatos do mundo, uma Taça Davis e um Leopardo em Locarno. Por incrível que possa parecer, essa junção de países diferentes relativamente perto uns dos outros já sucedeu no passado; deram-lhe o nome de Jugoslávia (eu lembro-me, ainda tenho aqui a caderneta do Itália-90 para me certificar de que não foi tudo um sonho). Ora, essa Jugoslávia, pese embora os seus méritos, teve uma presença modesta em Mundiais (melhores resultados: 4º lugar em 1930, logo na primeira edição, e 1962), e nos Europeus foi duas vezes finalista vencida (1960 e 1968). Vá lá, venceu os Olímpicos de 1960. Numa seleção de pouco gabarito (Malta ou Inglaterra, por exemplo) seriam muito bons resultados, mas para uma equipa que albergava um vastíssimo conjunto dos melhores jogadores da europa*, o desiderato é frustrante. As razões podem-se encontrar nos minutos finais do Eslovénia-Sérvia de ontem, quando por momentos pressentimos o renascimento de nova guerra nos balcãs: copos de cerveja a voar para cima do Oblak, jogadores sérvios e eslovenos a empandeirarem-se violentamente uns aos outros, mulheres sérvias no público a prometerem ás eslovenas que as "esganariam lá fora", etc. Ora, se isto acontece num espaço aberto e televisionado, o que será que acontecia no balneário fechado e privado da seleção jugoslava? E isto mesmo com o unificador, grandioso e anti-soviético Tito aos comandos da nação.
* e, como se sabe através do documentário Rocky IV, todos os atletas para lá da cortina de ferro drogavam-se, para assim aumentarem a sua performance desportiva. E mesmo assim os jugoslavos não ganharam nada!
quinta-feira, 20 de junho de 2024
Euro 2024 (Dia 6).
A seleção da Croácia já foi como a da Albânia: jovem, fresca, cheia de ganas de participar pela primeira (ou neste caso, a segunda vez) numa grande competição internacional. Em que cada ação atacante e cada remate são celebrados como um clímax desportivo. Mas vinte e oito anos depois de ter participado no Euro 1996, e duas grandiosas gerações de jogadores depois, a Croácia já evidencia um acelerado processo de puta gasta de Euros & Mundiais, em que devido ás altas expectativas que lhe são colocadas em cima, o seu desempenho nunca parece muito bom, por mais satisfatório que seja. Por exemplo, a Albânia venderia metade das suas praias para ter no seu elenco um avançado como o Kramaric, que na Croácia dos dias de hoje é apenas mais um Karadas que por ali anda. Além do mais, a discrepância de performance dos croatas em mundiais e europeus leva-nos a concluir que sofrem do mesmo mal daqueles tenistas que levam tudo á frente em Wimbledon mas em Roland Garros olham babados para uma raquete antes do primeiro serviço.
Apesar de nova vitória, não foi ainda desta que a Alemanha provou que não é um tigre de papel. Estamos em crer que bastaria a Hungria ter um Puskás a avançado e uma Marta Mészáros como média-ofensiva e o resultado de ontem teria sido diferente. Se calhar...estaremos a romancear e a idealizar demasiado as seleções alemãs do antigamente (como aqueles jovens "revolucionários" que, sem se rirem, romanceiam e idealizam outros jovens "revolucionários" que mais tarde transformar-se-ão em dejetos humanos ditatoriais), mas estamos em crer que no meio do "cinzentismo", "pragmatismo", "realismo" e "frieza" teutónicas não havia espaço para providenciar tamanhas veleidades como os magiares tiveram ontem. Só mudaremos de opinião quando a equipa da casa defrontar uma seleção de futebol que não tenha deixado de ser relevante no mundo da bola nos anos setenta do século XX. E aquele avançado da Hungria, o Martin Ádám? Deslarguem-no a ele e a um pau de marmeleiro no Donbass e a guerra na Ucrânia termina em duas horas.
quarta-feira, 19 de junho de 2024
Euro 2024 (Dia 5).
O melhor jogo do Euro 2024 no jogo de menor cartaz da primeira jornada. Futebol daquele estranho em que um jogador, quando recebe a bola já no meio campo adversário, faz a imediata rotação para a frente, lançando fogo grego- perdão, turcos- sobre o reduto inimigo. Lances de perigo a cada dois minutos. Grandes golos. E, ainda mais emocionante, homens da bola em pleno 2024 a não chorarem depois de passarem uma hora e meia á chuva. O que também não se estranha quando um país é governado com punho de ferro por um Erdogan e o outro, se Deus Nosso Senhor for bondoso, livrar-se-á das garras hipócritas do velho Ocidente e, por conseguinte, entrará nos caridosos braços da novíssima Rússia; a Lei dos Agentes Estrangeiros é só o primeiro passo. Real Madrid 2024/2025: Vinicius Jr, Kylian Mbappé, Rodrygo, Brahim Diaz, Endrick, Arda Guler: o equivalente aos elencos femininos dos filmes das German Goo Girls período 2002-2008.
terça-feira, 18 de junho de 2024
Euro 2024 (Dia 4).
segunda-feira, 17 de junho de 2024
Euro 2024 (Dia 3).
Os mais velhos (entre os quarenta e os cento e vinte anos) lembrar-se-ão de uma sére dos anos oitenta intitulada Automan, uma sére onde os efeitos especiais se enquadravam na estética Tron, ou seja, fabricados num ZX Spectrum. Este Automan conduzia um carro que apenas se movia em linhas retas, um pouco como aqueles carros nas pistas de brincari que tinham um íman para aderir á pista; se o íman falhasse, o carro voava contra a parede mais próxima. Ora, a seleção polaca fez-nos lembrar este Automan e, por conseguinte, os carrinhos de brincari. O seus jogadores apenas se movem em linhas geométricas diretas e pré-definidas. Por vezes, com algum azar, vão a correr no seu caminho já estipulado e os jogadores adversários não têm a hombridade para se desviarem. Neste registo austero e futurista, a Polónia criou bastantes dificuldades a uma Holanda que, sobretudo na primeira parte, impressionou por dois motivos: por ter tido uma enorme facilidade em construir oportunidades de golo, e por ter tido uma enorme facilidade em construir oportunidades de golo mesmo com Memphis Depay, um reconhecido ex-jogador de futebol, em campo.
domingo, 16 de junho de 2024
Euro 2024 (Dia 2).
Uma vez, numa noite cálida de verão, estávamos dentro de um carro, no parque de estacionamento de uma estação de serviço da Grande Lisboa. Enquanto esperávamos que a amante chegasse com tudo o que a tínhamos obrigado a comprar, uma estranha imagem começou-se a desenrolar a uns quinze metros descaídos para o nosso lado direito. Um rapaz estacionava o carro, e ao seu lado outro rapaz usava uma meia de nylon na cabeça. "Com certeza", pensámos", "a nossa fome é tanta que já imaginamos situações saídas de um filme do Walter Hill. Aquela doidivanas que se despache". Mas não, por mais fome que houvesse, ali estava mesmo um tipo, dentro de um carro, com uma meia de nylon enfiada na cabeça. Junto a uma estação de serviço recheada de cousas boas, como Kit Kats e Panricos. Entretanto, a amante chegou, a queixar-se do seu esforço. Depois de nos certificarmos de que a maluquinha tinha cumprido com todas as nossas preciosas exigências, voltámos a olhar para o estranho carro...mas já lá não estava. Um memento curioso que me parece bem mais pertinente do que qualquer cousa que se possa escrever sobre um Hungria-Suiça.