quarta-feira, 18 de março de 2015

O homem que andava á procura de mulheres que gostassem do "Titanic" (parte 1)


Acordei com os últimos raios de Sol a entrarem pelas frinchas da persiana. O relógio marcava 6:25 pm, e lá fora parecia-me já ouvir o Stan Williams a gritar aos filhos para virem para casa. A cidade é perigosa. Levantei-me e fui tomar o pequeno-almoço: meia garrafa de brandy e um rissol de anteontem deixado ao acaso no frigorífico. Estava muito calor mas eu nem ventoínha tinha, valha-me Deus. Acabada a refeição, fui buscar o monte de cartas que se reuniam junto á porta. Contas a pagar, um convite para uma sessão espírita com a Professora Viúva Azul, publicidade a canalizadores e a novas tarifas para o “seu telemóvel”. E no fim, um envelope azul enviado pelo Coronel Bradley Johansson, que se a memória não me falhava, devia ser o mesmo homem que tinha feito fortuna a vender terrenos a preços inflacionados há coisa de quarenta anos, histórias que o meu papá me contava quando ainda andava de chucha na boca. “ O Bradley, esse épico homem. E a mulher ainda melhor, filho meu”, dizia ele, a dar bafuradas no charuto. As outras missivas voaram para o lixo e atirei com a carta do Coronel para cima da mesa. Só agora reparava que estava nú; tanto melhor. Mais um copo de brandy, sentei-me e abri o envelope. E rezava assim:

Caro Senhor,

Como deve saber, eu tenho estado muito atento aos seus recentes êxitos no mundo da investigação. Admiro imenso os seus resultados nos caso da descoberta da versão original do "Greed", aquele outro da mulher que enganava o pai com a própria mãe e que o senhor brilhantemente desvendou numa célebre Véspera de Natal, ou, sobretudo, o seu retumbante sucesso na intrincada rede de cosméticos e produtos agrícolas que envolvia a família Forrester. Juntando a isto, tive a investigar o seu passado familiar e as impressões não poderiam ser melhores, sobretudo as providenciadas a respeito do seu falecido pai, de quem a minha própria esposa diz maravilhas. Tudo isto para esclarecer que tenho plena confiança em si, e por isso encarrego-o de trabalhar para mim num caso bicudo que me atormenta há quase vinte anos e para o qual não tenho encontrado solução. A minha esposa ri destes meus propósitos, mas acha muito bem que o chame para vir trabalhar comigo, nem que seja para ter a confirmação de que é semelhante ao seu defunto pai, o mesmo de que ela tece admirações múltiplas. Como prova da minha seriedade e perseverança, aí tem 10 mil dólares de avanço. Dinheiro que será uma mera esmola quando lhe pagar os honorários finais, nesse momento em que tudo será descoberto, o qual estou seguro que acontecerá. Enviarei amanhã uma limusina para a sua residência, que o trará aos meus humildes aposentos, onde discutiremos civilizadamente o que me preocupa e outros sucessos. 15 horas parece-lhe bem? Escusa de confirmar, apenas esperarei por si com toda a ansiedade. Olhe que se não vier irá perder um faisão assado com batatas a murro que é divinal. E a minha esposa não lhe perdoará, ela até já está a observar, deleitada, quais os vestidos mais decotados que possui.

Com os melhores cumprimentos,

Coronel Bradley Robson Johansson


Dez mil dólares, faisão assado e provavelmente outras mordomias. “Não direi que não”, pensei eu. O único problema era a hora madrugadora a que viria a limusina, mas nada que não se contornasse com certa dose de boa vontade. Lá estarei, Coronel, dizia eu de mim para mim. Esfregando as mãos, bebi o resto da garrafa e telefonei ao Mishka, um russo que tinha conhecido há meia dúzia de anos, no caso “ Sue Michaels vs Joe Joe”, um dos mais suados da minha carreira. O Mishka, que vivia há trinta anos na cidade mas ainda conservava forte sotaque, respondeu que não podia ir hoje ao local do costume, que tinha de fazer as pazes com a mulher (que era japonesa com ligações á yakuza), senão ainda iria ter problemas e dos grandes. Tanto pior. Sairia mais tarde, nem que fosse para dar uso a algum do bago recebido. Entretanto, decidi-me a fazer nada. Saltei para a cama, e continuei a ler um pequeno livro de conversas com um cineasta português, que muito desgastado estava com os camiões e máquinas de filmar a entrarem pelo bairro. Adormeci, pouco depois.