Em Black Book, aka Reign of Terror, Antony Cinema Mann agarra na sua poderosa retroescavadora cinematográfica e arrasa as convenções do filme histórico com grande estrilho. É uma terraplanagem saborosa que inclui uma sucessão de acções a trezentas milhas por hora, fumos esgazeantes a envolverem personagens, vilões do arco da velha, e mulheres saídas dos calhabouços do film noir. Se alguém afirmar que isto é um bocado camp, não só merece ser abraçado como possivelmente ser convidado para um ou outro copo. Segundo reza a lenda, James Ivory, quando viu tal coisa, foi a chorar para os braços daquele gajo indiano que lhe escreve os argumentos. Contudo, não se pense que temos algo contra James: antes ele que vinte ou trinta Baumbachs.
Há dez anos, seria grande a minha indignação contra a não-estreia de Nostalgia de la luz em terras portuguesas. Andaria entre a sala e o quarto a injuriar os distribuidores e a lutar incessantemente (entre a cozinha e a sanita) por um mundo melhor, onde os cinemas dessem oportunidades aos belos filmes e isso. Felizmente que esse tempo já passou, e estando-me olimpicamente a cagar para o que estreia ou não na sala, só posso dizer uma coisa: quem foi o filho da puta que me roubou o isqueiro na sexta-feira? Este belíssimo filme de Patricio Guzmán anda sempre no fio da navalha das comparações entre o olhar para trás no tempo astronómico e o olhar para trás na história recente chilena- essa, onde predomina um facínora muito apreciado por aquele cagalhão com olhos que treina a selecção brasileira de futebol-, mas com a unidade sempre mantida pela melancolia e pelo "sublime", que aqui está como elogio. Há justaposições de planos (o plano das crateras lunares com o de um crânio de um dos milhares de mortos no regime do facínora) que poderão causar grande desconforto nos guardiões das moralidades e bons costumes cinematográficos. Eu cá rezei agradecido com as arqueologias do Guzmán e depois fui comer um rissol.
Pacific Rim começa com um prólogo prometedor, e depois é o costume: barulho soterrado em mais barulho. Outro ponto muito interessante é que estes filmes de duzentos milhões de euros já nem sequer têm a coragem para mostrar sangue e mutilações, não vão os meninos que acabaram de sair do jardim-escola e que vão sair com os papás à "magia da tela" ficar impressionados e no fim da noite comecem a ter sonhos com um filme do Baumbach. É uma absoluta higiene de pré-primaria cinematográfica, que nos faz quase ir ter compulsivamente ás paginas encharcadas em hemoglobina do Correio da Manhã. Ou então voltar ao aconchego do costume. Nem o Ron Perlman salva isto.