segunda-feira, 3 de junho de 2013

O dia em que Napalm caiu (iii)

À queda física de Napalm é sobreposta uma elevação moral a que só os mais distraídos não prestarão atenção. Expliquemo-nos: estando Daniel Pereira destinado a mais uma noite de narrativa incoerente e mera e pretensamente hedonista, a desgraça de Napalm surge como um sinal enviado por um qualquer Deux Ex Machina e que parte a narrativa em dois bocados e impede a também mais do que provável queda moral de Pereira em mais umas horas de ilusão e aparência. A este propósito, lembramo-nos do anjo Clarence de It's a Wonderful Life ou das alegorias cavernosas de Platão. E se no Psycho, após a morte de Marion Crane, ficávamos entregues a Norman Bates e aos seus demónios, também a mise-en-scène barulhenta de Napalm faz com que nós, espectadores da vida, descolemos das euforias nocturnas para ambiências realísticas, onde as únicas luzes que existem são as da ambulância a iluminar o caminho. Tudo isto, contudo, já foi devidamente explicado há cinquenta anos por Daney e Shorecki, que enquanto esperavam por Sternberg, tiveram o seguinte diálogo em LA:

Tens aí o isqueiro?
Sim.

Ou, numa vertente ainda mais premonitória, recordemos uma das (senão a maior) aterradoras análises da moralidade cinematográfica, evidenciada por Jacques Lourcelles em 1989, junto a uma papelaria parisiense:

É um Marlboro.