Passando então às Mamas. Neste texto, que apareceu primeiro na revista Ler, mais uma vez brincando, além de apontares para o lado pindérico e tonto destas descrições, mostras que a mulher é frequentemente tratada como paisagem.
Não tanto como paisagem, isso seria um exagero e até injusto, a mulher é sobretudo objecto de um olhar masculino, que é o olhar dominante. Porque o olhar masculino é o olhar universal, o que foi naturalizado e normalizado, tanto que quase nunca nos apercebemos disso. Dou-te um exemplo desta normalização do olhar masculino. [Pega num conjunto de recortes e páginas de revistas e jornais portugueses bem recentes e dispõe-as num mosaico.] Aqui o que se mostra é que é o corpo da mulher que é sobretudo objecto de representação sensual, sexual, erótica, etc. Tu não encontras praticamente representações do corpo masculino com este tipo de atributos. Não encontras um escritor a falar do corpo masculino e descrevendo uma personagem masculina com base na descrição dos seus atributos físicos, erotizando-os, por exemplo, que tem umas pernas muito bonitas ou bem desenhadas, um rabo bem esculpido, um peito atraente, que deixa as mulheres doidas de desejo. Não encontras isso, e acho que isso acontece porque, se os escritores homens o fizessem, se idealizassem o corpo do homem desse ponto de vista erotizado, provavelmente sentir-se-iam menos homens. Menos viris. O único aspecto do corpo do homem que costuma ser representado é o pénis erecto. O pénis com uma tusa gigante. Porque isso é uma marca ou um indicador de virilidade. As descrições mais pormenorizadas do corpo masculino aparecem quando se trata de velhos, normalmente para representar a ideia de decadência física, etc. Não encontrei praticamente nenhum livro onde o corpo do homem fosse representado da mesma maneira que o corpo da mulher, como um objecto sensual. Porque nós já normalizámos estas convenções. Para te dar um exemplo de como o olhar masculino é o olhar universal e o olhar feminino é só feminino. Pegas no jornal Expresso, que praticamente só tem colaboradores homens nas colunas de opinião, como de resto em quase todos os outros jornais e revistas... Aquelas duas páginas do Expresso onde escrevem o Daniel Oliveira, o Henrique Raposo, o Pedro Adão e Silva e outros, são paradigmáticas. Aquilo parece o Baile dos Bombeiros: é só homens. E tu olhas para aquilo e parece-te normal. Mas agora faz o exercício de ter só mulheres a escreverem naquelas duas páginas. Imagina que naquelas duas páginas só escreviam mulheres. O que é que a maior parte dos leitores pensaria? Que aquilo é um jornal para mulheres. As pessoas só reparam naquilo a que não estão habituadas. Tenho aqui uns exemplos para te mostrar. Repara aqui nestas páginas da revista Sábado. O que é que salta aqui à vista? Isto são citações, as frases da semana. E o que é que te salta aqui à vista?
Não tanto como paisagem, isso seria um exagero e até injusto, a mulher é sobretudo objecto de um olhar masculino, que é o olhar dominante. Porque o olhar masculino é o olhar universal, o que foi naturalizado e normalizado, tanto que quase nunca nos apercebemos disso. Dou-te um exemplo desta normalização do olhar masculino. [Pega num conjunto de recortes e páginas de revistas e jornais portugueses bem recentes e dispõe-as num mosaico.] Aqui o que se mostra é que é o corpo da mulher que é sobretudo objecto de representação sensual, sexual, erótica, etc. Tu não encontras praticamente representações do corpo masculino com este tipo de atributos. Não encontras um escritor a falar do corpo masculino e descrevendo uma personagem masculina com base na descrição dos seus atributos físicos, erotizando-os, por exemplo, que tem umas pernas muito bonitas ou bem desenhadas, um rabo bem esculpido, um peito atraente, que deixa as mulheres doidas de desejo. Não encontras isso, e acho que isso acontece porque, se os escritores homens o fizessem, se idealizassem o corpo do homem desse ponto de vista erotizado, provavelmente sentir-se-iam menos homens. Menos viris. O único aspecto do corpo do homem que costuma ser representado é o pénis erecto. O pénis com uma tusa gigante. Porque isso é uma marca ou um indicador de virilidade. As descrições mais pormenorizadas do corpo masculino aparecem quando se trata de velhos, normalmente para representar a ideia de decadência física, etc. Não encontrei praticamente nenhum livro onde o corpo do homem fosse representado da mesma maneira que o corpo da mulher, como um objecto sensual. Porque nós já normalizámos estas convenções. Para te dar um exemplo de como o olhar masculino é o olhar universal e o olhar feminino é só feminino. Pegas no jornal Expresso, que praticamente só tem colaboradores homens nas colunas de opinião, como de resto em quase todos os outros jornais e revistas... Aquelas duas páginas do Expresso onde escrevem o Daniel Oliveira, o Henrique Raposo, o Pedro Adão e Silva e outros, são paradigmáticas. Aquilo parece o Baile dos Bombeiros: é só homens. E tu olhas para aquilo e parece-te normal. Mas agora faz o exercício de ter só mulheres a escreverem naquelas duas páginas. Imagina que naquelas duas páginas só escreviam mulheres. O que é que a maior parte dos leitores pensaria? Que aquilo é um jornal para mulheres. As pessoas só reparam naquilo a que não estão habituadas. Tenho aqui uns exemplos para te mostrar. Repara aqui nestas páginas da revista Sábado. O que é que salta aqui à vista? Isto são citações, as frases da semana. E o que é que te salta aqui à vista?
Para tornar a página atraente expõem as mulheres em posições sensuais.
E os homens como é que estão representados?
E os homens como é que estão representados?
Estão sempre de fato...
Fato e gravata. Porque há esta ideia de que a seriedade é um atributo masculino. Quando tu olhas para estas fotografias de homens e mulheres, qual é a opinião que te parece mais respeitável? Vais respeitar a opinião de uma mulher que está assim pouco vestida, em posições provocantes, eróticas, com os peitos a saltar dos decotes e as pernas à mostra quase até à cintura? Não achas que a opinião deste tipo, que aparece de fato e gravata, é muito mais respeitável do que a desta mulher que está praticamente numa posição de engate? Isto são coisas que nós interiorizamos e que se tornam naturais, de tal maneira que só muito dificilmente, com um grande esforço, é que nos damos conta delas. Trata-se de uma forma, não digo que consciente ou intencional, de deslegitimar a opinião da mulher. Nós estamos permanentemente a ser bombardeados por este tipo de imagens com mensagens subliminares, que têm um fundo profundamente machista, ou patriarcal.
Fato e gravata. Porque há esta ideia de que a seriedade é um atributo masculino. Quando tu olhas para estas fotografias de homens e mulheres, qual é a opinião que te parece mais respeitável? Vais respeitar a opinião de uma mulher que está assim pouco vestida, em posições provocantes, eróticas, com os peitos a saltar dos decotes e as pernas à mostra quase até à cintura? Não achas que a opinião deste tipo, que aparece de fato e gravata, é muito mais respeitável do que a desta mulher que está praticamente numa posição de engate? Isto são coisas que nós interiorizamos e que se tornam naturais, de tal maneira que só muito dificilmente, com um grande esforço, é que nos damos conta delas. Trata-se de uma forma, não digo que consciente ou intencional, de deslegitimar a opinião da mulher. Nós estamos permanentemente a ser bombardeados por este tipo de imagens com mensagens subliminares, que têm um fundo profundamente machista, ou patriarcal.
Para que se perceba: estamos a ver cinco páginas da Sábado. Na zona das citações. Temos figuras como o António Costa, o João Salgueiro, o Henrique Granadeiro...
Todos sempre de fato e gravata. E as mulheres sempre com uns decotes muito proeminentes, e em posições insinuantes. Isso é uma forma de menorizar a mulher, deslegitimar a sua capacidade intelectual, a sua capacidade de emitir juízos sérios, que merecem a atenção dos nossos neurónios e não apenas do nosso pénis. Foi precisamente isso que pretendi demonstrar com este texto sobre as mamas. Que a literatura, ao contrário do que diz um certo discurso ou retórica que se ouve muito no campo das artes e da cultura, ou seja, que a cultura tem como função criticar, denunciar as convenções, pôr em causa os lugares comuns, os estereótipos, fazer-nos pensar, etc. No final, acabamos por verificar que a literatura tem sido responsável pela reprodução de muitos desses estereótipos. Demonstrar isto de uma forma divertida e gozona é um dos grandes objectivos deste livro, falar de coisas sérias a gozar. Porque este livro é também, e sobretudo, talvez, um gozo, um divertimento. Não gostaria nada de passar a ideia, que talvez seja aquela que acaba por transparecer nesta entrevista, de que se trata de um livro sisudo ou soturno, irritante e irritado. O livro é apenas o trabalho de um tipo obcecado com livros e que está permanentemente a consultá-los, a compará-los, a mexer neles, a sublinhá-los, a dobrá-los, a atirá-los para o ar, e que, no meio disso tudo, encontra alguns padrões. Isso tem com certeza que ver com a minha maneira de ser, essa mania de encontrar determinadas relações entre as coisas e procurar um ângulo divertido ou delirante. Que podem não ser muito significativas ou importantes, mas que dão sobretudo gozo. Há aqui muitas intenções que atribuo aos autores e que provavelmente não correspondem à verdade, porque eu não os conheço pessoalmente. No entanto, mesmo que as coisas que eles escrevem não tenham as intenções que eu lhes imputo, a verdade é que, encaradas de um certo ponto de vista, são ridículas ou absurdas. Muitas vezes, basta ler as coisas de forma literal para elas se tornarem divertidas. Ou elogiando exageradamente a sua escrita para chamar a atenção de algumas estruturas mentais que se reproduzem geração atrás de geração. Houve algumas reacções no Facebook de mulheres que, sem terem lido o texto, o acusaram de ser machista. E que era inadmissível que a revista Ler publicasse um texto daqueles. Repara, opiniões baseadas apenas na leitura do título que aparecia na capa da revista. Felizmente, o director da revista não foi dessa opinião e pagou-me bem e, sobretudo, a tempo e horas, uma coisa que é pouco habitual neste meio. Claro que essa representação do corpo feminino está também ligada a um efeito de moda, para vender mais livros. Mas isso ainda dá mais razão ao meu argumento. Vendem mais porque é aquilo que está naturalizado e normalizado. Esse efeito de moda vê-se, por exemplo, na passagem das mamas pequenas para as mamas muito grandes, enormes, às vezes até descomunais. Mas a única coisa que mudou, aí, foi o tamanho. Porque no resto é quase tudo igual. Por exemplo, a ideia de que a mulher veste determinada camisa ou saia apenas com o intuito de seduzir os homens. E isso normalmente é associado a uma espécie de perversão, quando se compara a mulher, por exemplo, com determinados animais, como a serpente ou a cobra. [Volta aos recortes.] Repara nesta página do Expresso que assinala o Dia Internacional da Mulher. O que é que eles vão buscar para representar a mulher?
As pernas…
Nós muitas vezes não reparamos nestas coisas, no entanto, estamos permanentemente a interiorizá-las.
Nós muitas vezes não reparamos nestas coisas, no entanto, estamos permanentemente a interiorizá-las.