segunda-feira, 11 de março de 2013

glorioso churrasco


Permitam-me que também eu, céptico de citações e de fazer das palavras de outrém autênticos discursos sacramentais, permitam-me, dizia eu, que também cite mais ou menos de cor Daney nesse excelente Como fumar cinquenta cigarros ininterruptamente, aka Itinéraire d' un ciné-fils. A dada altura do trigésimo-segundo cigarro discorre ele sobre a insensibilidade do espectador actual (actual de 1992) por comparação com o dos primórdios do cinema, que espantado ficava com a mais benigna das banalidades que na altura os homens colocavam na magia da tela (sem cinismos: era mesmo magia e obra de feiticeiros). Décadas e décadas de "treinamento visual" dotaram o Homem (e a Mulher) de adaptação aos choques de outrora, treinamento esse muito ajudado pela caganeira televisesca de noticiários à base de cadáveres apodrecidos, meninos com moscas (we are the world!) e braços esmigalhados. Hoje, da forma mais tranquila possível, uma pessoa come o seu arrozinho de tomate enquanto "vê" mais um mostruário de morticínios numa qualquer faixa de gaza, etc. O "treinamento visual e "sensorial" não deve ter maior expressão do que num género dos cinemas: o de terror (sobretudo o americano dos últimos, digamos, quarenta anos) o que não é assim por assim uma cousa má. Uma pessoa sabe os códigos, tem uns sustezitos, e pronto, pode ir para o caralho mais velho a seguir. E depois há coisas como Texas Chainsaw Massacre, que, por incrível que pareça, só ontem vi. Esqueçam-se essas porcarias "temáticas" da "conturbada era política da altura", da "mensagem" e de demais delírios analíticos (até li que o filme é um panfleto ao estilo vegan: e se fossem foder porcos, não?): o filme do Hooper destrói a cinza tudo o que foi feito posteriormente no género em territórios amaricanos, destilando autênticos enfartamentos emocionais a cada frame. É como se se estivesse no primeiro visionamento de algo que já conhecemos de cor e salteado, possibilidade de olhar virginal. Os últimos quarenta minutos, então, vi-os de boca semi-aberta, com um fiozinho de espuma prestes a escorrer para o casaco de plumas: impecável mistura de "cenário dantesco", sado-masoquismo e comédia "all in the family", com serras mecânicas e baladas country como fundo sonoro, extremos close ups de retinas, salsichas ou piças no espeto, velhos semi-mortos e assim sucessivamente. Texas Chainsaw Massacre é aquilo que os perdigotos do género querem mas não conseguem: manter a ansiedade e o terror após as expectativas alicerçadas no primeiro acto. Nem mesmo os calções da Pam me separaram da gostosa sensação de pandemónio que por ali vai. Mas que filme do caralho e que que vem comprovar, uma vez mais, que qualquer filme que seja banido em terras inglesas tem fortes possibilidades de ser muito bom.