- Não. Embora eu tenha um grande respeito pelo caminho que o Kilas abriu, ou seja, o de um filme português que, finalmente, encarou, de facto, a necessidade de o cinema português passar da descrição para a narrativa, de propor personagens, de estimular a cumplicidade criadora com o público, através de uma dimensão pelo imaginário lisboeta. fugindo, portanto, às modas parisienses e cahieristas (de Cahiers du Cinéma). É aqui que se ganha, ou não, a batalha do cinema português. A Crónica dos Bons Malandros está mais para mim como um regresso ficcional ao mundo tragicamente verdadeiro do Belarmino, do que como um regresso ao Kilas.
- E quanto vai custar?
- Tudo pronto, com a cópia síncrona e thriller, 15 mil contos, dos quais o Instituto Português de Cinema só me deu 8.400. O resto, tive de arranjar, à esquerda e à direita.
(...)
- Que lhe diz a circustância de Rui Simões ter afirmado que pediu asilo cultural em França?
- Escrevi, aqui há um ano, um pequeno texto em que me referia às condições inacreditáveis, a que eu tinha assistido, em Cannes, ao tratamento que foi dado ao Rui Simões e ao seu filme Bom Povo Português, e ao Luís Filipe Rocha e ao seu filme Cerromaior. Nessa altura, e brincando com uma frase de Orwell, eu dizia que os cineastas portugueses, para o IPC, são todos iguais, só que há alguns que são mais iguais do que outros. O que se tem passado é que, provinciana e sebastianicamente, resolveram, as entidades que comandam o cinema português, apostar tudo no Manoel de Oliveira- e, pior do que isso, na França, no reconhecimento feito a partir da França. Percebo muito bem o Rui Simões. Percebo e lamento. Se calhar, mais alguns cineastas terão de ir fazer filmes lá fora.
- É isso que escandaliza...Esse apoio publicitário a Manoel de Oliveira, além de importar em muitos milhares de contos, dá a ideia de que ele é o único, que não há mais cineastas em Portugal.
- Não é de todo o único. E custa-me que estejam a transformar o Manoel de Oliveira no Júlio Dantas do cinema- e ele a deixar...Sobre os milhares de contos faço-lhe a si uma proposta: porque é que O Ponto não investiga, no IPC, quanto é que se gastou no lançamento de Francisca, em Paris, e quanto é que o mesmo IPC e a Gulbelkian, por formas directas, e outras indirectas, já despenderam com os Cahiers du Cinéma?
- Olá! Os Cahiers du Cinéma comprados?
- Comprado é uma palavra muito dura; mas eu diria que se trata de compra, no sentido em que se fala de publicidade paga.
- Mas há, ou não, uma espécie de mitificação do nome e da obra de Manoel de Oliveira?
- Posso responder-lhe parafraseando Cocteau: o Manoel de Oliveira está a tornar-se no autor que dizem que ele é.
(...)
Fernando Lopes, em entrevista a Baptista Bastos, algures em 1982/83, e que se encontra na colectânea de entrevistas Um Homem em Ponto, edição da Relógio de Água, livro que se encontrava ao roliço pelas estantes da sala.