quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Taxi Driver. Texto incompleto, esquecido, hoje recordado, escrito algures em 2017.


Aborrecido, deitado na cama de barriga para cima. Eis quando me lembrei do Travis Bickle e pesquisei “the days go by” no YouTube do telefone, tendo este exibido resultados intitulados “the days go on”. A diferença é, sem dúvida, importante; o primeiro caso poderia referir-se a um dia que passa sem que nada de importante ocorra, enquanto que o segundo se refere ao trágico facto de que depois do fim de um dia, outro começa. Não fiquei satisfeito com o formato do telemóvel, o que finalmente me fez levantar, mexer no DVD do “Taxi Driver”, voltar a arrumá-lo, ligar o computador e sacar um ficheiro full hd de uma versão remasterizada em 4K, que viria a demonstrar ser possível perceber todas as especificidades do sinal facial do De Niro. Embora tenha visto o filme mais de dez vezes, já não o via agora há alguns anos (e também só uma vez o vi em sala, numa cópia pobre, programado para o ciclo denominado “Chama-me um Táxi” da Cinemateca – isto vi eu agora na folha de sala que está dentro do DVD, pois sempre me tinha lembrado desse glorioso ciclo como “Filmes de Táxi”, juntamente com o ciclo “Filmes de Soutien”, dois dos momentos altos dessa casa que todos muito estimamos). O filme começa com um genérico altamente estilizado, de que gosto, principalmente pela banda sonora do Bernard Herrmann, também por logo aí carregar nas cores que pintarão o filme: o vermelho (décors, guarda-roupa, luzes e, claro, o sangue), pontuado por verdes (neons da rua e casaco de Travis) e amarelos (táxi e algum guarda-roupa) – as cores do semáforo. O filme começa com um De Niro aborrecido, que decide procurar trabalho como taxista, de modo a poder ocupar as longas noites de insónia. E logo aquele momento pelo qual me apaixonei definitivamente pelo De Niro – o sorriso que nasce no seu rosto enquanto diz que a sua carta de condução está “clean, like my conscience. O genérico, a panorâmica de 360 graus quando Travis sai da garagem de táxis, o jump cut aquando da saída de Travis do táxi para entrar no escritório da candidatura de Paladine – tudo sinais que hoje me surgem como marcas demasiado fortes de um cinema que se queria ele próprio moderno (e que ainda hoje continua a ser louvado noutros lados; ou em todo o lado), Scorsese com certeza espectador de todos os cinemas novos que tinham despontado na década anterior. Não gosto menos do filme por isso, porque o que verdadeiramente sempre fascinou neste filme é a dimensão humana, de enorme complexidade, de Travis Bickle – e o ponto de vista distanciado de Scorsese sobre o mesmo. Incapaz de perceber a sua desadaptação do mundo, Travis tanto convida a mulher que lhe desperta interesse para um filme pornográfico, como sente que deveria livrar uma menina de 12 anos – “Sweet Iris – da prostituição. Aproveito aqui, porque não, para sublinhar algo que nunca me pareceu louvado o suficiente: a interpretação espantosa da Cybill Shepherd, que com as suas brincadeiras parvas, a sua sobranceria, os seus meio-sorrisos, nos dá, com a ajuda de Scorsese claro, tudo o que Travis vai verbalizar antes de a convidar para lanchar (e que lhe desperta interesse, pela “novidade”). “She could have had anything she wanted”, diz orgulhosamente Travis, outro sinal do desfasamento deste, agora infantil, num excelente e discreto pedaço de escrita, num filme na maior parte do tempo com uma escrita bem mais carregada como são bom exemplo os monólogos de Travis, alguns repetidos por toda gente nos últimos quarenta anos.