Feminista-Marxista radical:
Hollywood, desde os seus primórdios, e
de formas mais visiveis ou mais insidiosas, tem influenciado e
perpetuado, através da “magia das imagens”, a ideologia do
patriarcado dominante e de um completo desequilibrio de forças nas
relações de poder entre os géneros. Como forma de exemplo,
analisemos um filme mudo de 1927, Seventh Heaven, realizado por Frank
Borzage. Com a acção situada numa Paris de cartolina pré- Primeira
Guerra Mundial, conta-se a estória de uma relação amorosa entre
uma prostituta e um limpador de esgotos- um dos mais belos sítios
onde um homem pode viver. A prostituta vive com a irmã (igualmente
prostituta) num miserável casebre no mais miserável quarteirão da
capital francesa. Essa irmã, além de apreciadora de vinhaça e
absinto, é portadora de muitos maus fígados (no pun intended),
dando regularmente autênticos festivais de pancada na sua
desprotegida e fraca companheira de casa. Por aqui logo se vê o modo
como Borzage e restantes responsáveis pela produção do filme
abordam o género feminino: ou as mulheres são umas bêbadas
agressivas ou são umas incapazes de se defenderem dos desmandos
alheios. A meias tantas, entra em campo o elemento masculino, o tal
trabalhador nos esgotos. Alto, bonitão, forte, empreendedor e
portador de uma inabalável confiança; até a despoluir merda, o
heteropatriarcado projecta-se com os mais altos valores da clássica
beleza grega. Acontecimentos difusos levam a que frágil prostituta e
arrogante asseador de trampa vão viver juntos na casa dele. É a
partir daqui que os intentos machistas do violador Borzage começam a
tecer os fios da sua nojenta doutrina. A prostituta, angelical e
ingénua, apaixona-se pelo ensaboador de dejectos, o que já de si é
um acto repugnante, mas ainda pior é por aquele mostrar-lhe uma
grande indiferença. Dominada por impulsos grotescos que foram
lavrados ao longo dos séculos por poetas, cantigas de amigo e de
amor e de romanescos, a prostituta tenta ganhar o coração (negro
como carvão) do desencardidor de fezes: tratando-lhe da roupa,
fazendo-lhe um voluptuoso pequeno-almoço, cortando-lhe o cabelo,
enfim, através da horripilante domesticidade submissa a que nós,
mulheres, fomos submetidas durante milénios. Entretanto, o marialva,
notando a cobardia da prostituta, diz-lhe para nunca ter medo, para
olhar sempre para cima, porque ele, como representante do inenarrável
género, “nunca tem medo e olha sempre para cima”. E então a
prostituta, outrora débil e psicologicamente adoentada, torna-se,
através dos incentivos masculinos, um poço de força e resiliência,
bem manifesto quando decide vingar-se na sua irmã alcoólatra com o
mesmo chicote com que esta lhe esfregava a pele (um momento que muito
gozo deve ter dado ao lambedor de beiços Borzage). Temos, portanto,
uma mulher que só se consegue libertar dos seus medos através dos
encorajamentos masculinos, e não por uma auto-afirmação alheia a
instigações do macaco com quem vive. Infelizmente, esse cortar das
correntes que a agrilhoavam não é suficiente para ela também se
libertar do aprisionamento de amor ilusório que sente pelo
transgressor. Concluindo, Seventh Heaven pode até advogar uma ideia
de mulher forte e corajosa, desde que tal não a impeça de continuar
subjugada ao controlo masculino.
Um ser humano:
Obra-prima.